28 de janeiro de 2010

ISSO É BRASIL

"O trem lotado, a moça reclamando do aperto, do desrespeito, clamando por paciência das pessoas penetrando como búfalos enlouquecidos, e execrada porque não deveria reclamar: deveria rir, achar graça da própria desgraça, e da desgraça coletiva. Esses mesmos animais que encaram o sofrimento de bom humor, que vivem de baixa renda, são também capazes de matar sem titubear quando ficam impacientes."

Vamos falar um pouco sobre o Brasil.

Um país enorme, populoso, cristão, católico, luterano e espírita, que tem sido motivo de orgulho pela representatividade no cenário internacional, pelo presidente herói-da-classe-operária e pela ascenção dos desfavorecidos.

O Brasil será sede de Olimpiada e Copa do Mundo, transformou a crise numa marolinha com impulsos massivos ao consumo popular e o povo respondeu: continuou comprando.

Temos um programa de aceleração ao crescimento, que é um alvo falso para a oposição, mas é usado como merchan e tem uma agenda robusta de obras de infra-estrutura em andamento.

Todos esses resultados e iniciativas tem a sua importância, claro, mas, ao mesmo tempo, sobra aquela sensação de que é divulgado pouco sobre o Brasil. Será que não conhecemos nada sobre o nosso país? Pois em verdade, vos digo, baseando-me apenas pela minha experiência tenra e diária:

O Brasil é aquele pobre assistente de pedreiro, desdentado, nordestino, que acorda muito cedo e corre para pegar o trem, junto com o pai, um velho de bigode vistoso e cabeça chata, para desembarcar no fim da Marginal Pinheiros e continuar construíndo obras públicas, privadas, para civis ricos que querem morar próximo ao trabalho, com fácil acesso aos shoppings da cidade, acreditando na eterna promessa do rio Tietê despoluído em alguns anos. Esses dois pedreiros são o retrato daqueles que ganham a vida com força física e habilidade artezanal, pouco cuidadosa, e que são a maioria da camada economicamente ativa do país.

O Brasil é aquele dos jovens sem estudo, desqualificados, sem recursos para investir em si mesmos, que, aos montes, são recrutados por empresas de telemarketing para continuar empurrando de tudo para a classe média: pacotes de tv por assinatura, cartões de créditos adicionais-internacionais-com-juros-abusivos, planos de previdência privada com sorteios mensais de prêmios que nunca vi ninguém ganhar: aliás, são tantas marcas, tantos prêmios, mas poucos testemunhos. Vendem também planos de telefonia celular e, pasmem, esses jovens desconhecidos nos tratam como amigos utilizando nossos dados pessoais que correm misteriosamente por aí: nome completo, telefone, operadora, CPF, banco, banda preferida. Artifícios impróprios, não?

O Brasil é o país dos intelectuais mortos, que andam impotentes por aí, sem poder coletivo, sem movimentos revolucionários, com algum dinheiro pra gastar e melhorar a própria qualidade de vida: sim, a minoria formada e esclarecida, que impulsiona as grandes decisões das diretorias e o executam trabalho operário-cerebral está morta, distante, egoísta, tecnológica, conectada, fascinada com produtos importados, culta, interligada, segmentada, massificada por meios fáceis e instantâneos, mas não se empolguem: isso é só um movimento social, não político.

O Brasil é aquele das donas de casa, empregadas, cobradores, motoboys, peões de piso de fábrica e motoristas que andam de um lado para o outro, parados no trânsito, ouvindo no rádio notícias sobre política e economia que mal entendem. Consomem, geram altos lucros, pagam juros abusivos, impostos e taxas duvidosas sem poder de barganha, pagam preços abusivos por produtos de má-qualidade, ultrapassados, parcelados em muitos meses e comem rações humanas, congeladas, deliciosas ao paladar e prejudiciais ao corpo, cancerígena à longo prazo, cheias de sacarose, corantes e gordura saturada.

O Brasil é um 'show de Truman' que vai além do próprio filme: governo-mídia-televisão-empresários-publicidade-banqueiros-igrejas, todas essas entidades, 24 horas por dia, sem descanso, bombardeando a população com argumentos de que os seus interesses são também os nossos interesses, de que vivemos constantemente num regime de ganha-ganha, de que o país finalmente é um lugar bonito, bom pra viver, onde tudo é possível de se comprar e usufruir, onde todas as transações são justas e que todos podemos viver felizes. Mais ainda: é um país onde quem reclama das coisas é um 'estressado', com 'energia negativa', que 'só fala de coisas ruins', que 'tem baixo astral', que 'precisa de Deus no coração'. que é 'chatão', que não é, enfim, 'feliz'.

O Brasil é o país das favelas, do povão, daqueles que passam fome, das organizações criminosas que dominam a segurança pública com relativa facilidade, negociando com eles, andando lado a lado, na parceria, na fé, com motoboys de duplo expediente: correria de dia, assaltos a noite, e o leite na geladeira com uma coleção de celulares roubados vendidos na Santa Ifigênia no dia seguinte. Somos o país dos morros apropriados para moradia sem custo de imigrantes de outros estados. Somos o país de programas de habitação precários, sem incentivo para os habitantes da zona rural continuarem na zona rural, sem ter que debandar para os grandes centros urbanos com uma penca de filhos de futuro duvidoso. Não temos planejamento urbano, nem saúde pública especializada: as doenças tem diagnóstico genérico, tratamentos genéricos, medicamentos genéricos e a AIDS é tratada com coquetéis porque dá mais lucro para as farmacêuticas nas licitações por um motivo simples: a cura não compensa. O Brasil é onde os consultórios especializados atendem com uma pergunta intrometida ao invés do 'Alô': 'Qual o convênio?'. Aqui, as meninas e até as senhoras usam roupa baixa, apertada, com pedaços de carne e gordura saltando para fora das vestes como se fosse normal, afinal, as menininhas da novela se vestem assim, qual o problema se eu não acho legal? O chato, de novo, sou eu. Aqui, o governo compra votos com programas de esmola nas 'capitanias hereditárias' do norte e nordeste: bolsa família, vale gás, bolsa escola, cestas básicas e etc.

Estava sentado no trem, mas queria levantar e reclamar junto com aquela moça incomodada, sofrendo os apertos dos 'animais' que iam se afunilando do trem, sufocando a todos, impacientes, 'felizes'. Mataria todos, jogaria no Rio Tietê, equilibraria a balança da distribuição populacional, me matando inclusive, se necessário. Todo esse ódio escondido, oculto pelo sistema, tíbio para qualquer manifestação feroz e modificadora, faz parte de ter que conviver sem paz com aquilo que não se pode mudar, com verdadeiros problemas distantes de verdadeiras soluções. Isso é Brasil. Obviamente, não concordo com o modo de como as coisas funcionam nesse país, mas, para os arquitetos dessa máquina que trazem a ordem da maneira que lhes convém, não tiro os méritos: tudo funciona muito bem.

17 de janeiro de 2010

TREM DE DOIDO

Aniversário: Bom, fiz meu vigéstimo quarto aniversário neste ano, o que significa que já não sou mais tão moleque. Aliás, começo 2010 até com uma mentalidade velha, o que não significa quadrada ou engessada, e sim vivida com muitas experiências ruins, ótimas, traumatizantes e marcantes. E com muito aprendizado, sem dúvida.

Profissão: Decidi escolher de vez uma carreira profissional. Aos 24, tenho mais convicção do caminho que tenho que seguir, depois de 7 anos de devaneios sobre o que deveria fazer da vida.

Para tomar esta decisão, foram necessários 7 anos para que o sistema me convencesse, depois de muita porrada, a abandonar um pouco de minhas verdades mais profundas e investir numa profissão que me garantisse certa estabilidade financeira e que ocupasse minha mente de forma que pudesse demosntrar minha inteligência de uma maneira nada revolucionária ou inovadora, mas de forma agressiva, pelo menos.

Música: Pra quem ainda não sabe, tenho uma banda: o Bresser. Neste ano, optamos por seguir uma linha mais defensiva, menos caótica, para que fique claro o nosso intuito como banda, a mensagem que queremos passar e a postura que queremos assumir. 2009 não foi um ano positivo para nós, com muitas parcerias que não deram certo, shows que não aconteceram, sem muita evolução musical e com muita auto-destruição, o que só foi um cano de escape para todas essas adversidades. Nos primeiros ensaios de 2010, já ficou bem claro que agora estamos caminhando para uma sonoridade bem mais adequada, mais limpa, e com planejamento, esperamos atingir um bom nível até o fim do ano, com um punhado de boas novidades.

Outra decisão crucial para 2010 foi separar a banda do músico. Por isso, decidi investir pesado pra chegar próximo do nível dos caras que admiro: Mitch Mitchell, John Bonham, João Barone, Franklin Paolilo, Stewart Copeland, Keith Moon, e etc. Este é um processo que deverá levar uns bons anos, talvez até décadas, mas é uma vontade firme apesar das adversidades.

O cara que decide ser baterista tem muitas desvantagens em relação aos companheiros de banda: A bateria é um instrumento inconveniente, pesado, composto por milhares de peças difíceis de carregar, é barulhento e ocupa um espaço tremendo, sendo impossível de se carregar a pé. Escolher ser baterista é um calvário, mas, no meu caso, é uma escolha irreversível e envolve muito amor aos batuques.

Como trabalho o dia inteiro, só tenho tempo de treinar a noite, e não tenho como praticar porque já confltei ferozmente com meu pai por causa do barulho, isso sem contar os vizinhos. Meu quarto é pequeno e tem uma acústica péssima. Vou ter que investir numa bateria eletrônica. Testei a DD 65, da Yamaha, e não aprovei. Muito limitada. Vou juntar mais pra pegar uma Roland HD-1 Lite. Nem quero pensar no quanto estou gastando com bateria desde 2008...

Social: 2009 foi um ano MUITO social: quantas festas, quantos litros de cerveja, quantos amigos de verdade e pessoas amadas que pude ver, rever e passar um tempo. Investi muito tempo em pessoas, em lugares pra ir, em conversas longas, breves, idiotas e profundas. Infelizmente, neste ano, vou ter que me voltar aos meus planos, às coisas que deixei de fazer em 2009 para estar com todos. Espero que, depois de tudo, estas pessoas estejam lá na frente, que se lembrem de mim e que possa visitá-las novamente.

Saldo: Nunca vou me esquecer de 2009 por vários motivos, pela junção de extremos que foi, pelo completo anarquismo em alguns momentos, pelas porradas que levei e ninguém viu. Não estou desmerecendo ninguém, mas sou assim: prefiro ocultar minhas cicatrizes e ajudar os outros como posso. Isso pode ser um defeito ou uma virtude, é bem relativo.

Fui assaltado duas vezes, fiquei completamente bêbado outras, perdi o emprego, me senti no fundo do poço, contraí dividas, consegui reformar meu quarto, conquistei coisas que sempre sonhei, vi meu time ser vitorioso duas vezes, assisti mais filmes do que em todos os anos de vida, virei fã de algumas coisas, fui a muitos shows, conheci novas pessoas, ganhei novos amigos, minha percepção em geral sobre a vida enriqueceu bastante, conquistei um novo emprego. Não me orgulho e nem me envergonho de nada. Tinha que ser assim. Em 2010, me torno a mim mesmo: à minha saude, à minha carreira e à séria tendência que tenho de deixar as coisas inacabadas. É uma época para me colocar mais ainda em meu lugar, achar algum espaço em mim mesmo que possa ser preenchido independentemente da forma de como o mundo funciona.

O que me incomoda continuará lá: o caos urbano, os trens lotados, a população rural entupindo os grandes centros, procriando como se não houvesse amanhã, a desigualdade social, a alienação massificada, as pessoas tratadas como engrenagens, a geração fria, distante, egoísta, sem identidade, preocupada apenas com 'o seu' da qual faço parte.

Quero encontrar formas de conviver em paz com aquilo que não se pode mudar. Pra citar só um pouco: o sistema capitalista e poderoso que funciona neste país desde antes da ditadura, a ignorância cada vez mais cíclica que vejo todos os dias, nos ônibus, de cabeça baixa, com sono, querendo chegar em casa para jantar, dormir e procriar, sem saber os motivos da própria desgraça. Tudo isso, creio, não se pode mudar no atual contexto político e social do Brasil.

Mãe: Outra coisa que não se pode mudar é a ausência da minha mãe em minha vida: saudade das nossas conversas, daquele apoio de mãe irrestrito e incondicional. Da compreensão absurda que ela tinha de qualquer situação. Minha mãe era alguém que se podia conversar abertamente, era um ponto de equilíbrio, sem dúvida. Era alguém a quem podia recorrer e continua fazendo muita falta. A ausência dela me trás desequilíbrio. Talvez, por isso, meu 2009 tenha sido tão agitado: procurei desabafar o que sentia em outra pessoas, mas, agora, vejo que só ela poderia compreender as minhas coisas por completo. Era exclusivo. Quando você vê alguém sair do seu ventre, vê crescer, acompanha cada passo e entende suas reações, deve ser fácil entender, não? Vamos mudar de assunto, antes que comece a chorar...

Final: Deste ano em diante, devo continuar psicodélico, louco por automobilismo, pelo Corinthians, pelo Liverpool, por música, ouvindo coisas antigas, sonhando em uma dia ter ido em Woodstock '69 ou no Rock'n'Rio de 85. Espero ler mais, correr, comer o suficiente, buscar um pouquinho mais de equilíbrio, dormir mais, descansar mais, ser menos ansioso. Isso não significa que estou buscando a felicidade, mas, com essas ações, talvez encontre-a naturalmente sem saber que ela existe.

Tenho mais coisas pra dizer, mas deixa. Fica pra próxima.

2009 começou com 'Bennie and the Jets', do Elton John. Este ano começou com 'Trem do Doido', do Lô Borges:



Noite azul, pedra e chão
Amigos num hotel
Muito além do céu
Nada a temer, nada a conquistar
Depois que esse trem começa andar, andar
Deixando pelo chão
Os ratos mortos na praça

Do mercado
Quero estar, onde estão
Os sonhos desse hotel
Muito além do céu
Nada a temer, nada a combinar
Na hora de achar meu lugar no trem
E não sentir pavor
Dos ratos soltos na casa
Minha casa

Não precisa ir muito além dessa estrada
Os ratos não sabem morrer na calçada
É hora de você achar o trem
E não sentir pavor
Dos ratos soltos na casa
Sua casa.