23 de março de 2011

COLD CONTAGIOUS


Sim, eu não consegui dormir e me levantei para escrever este texto. Achei que era necessário, depois de rodar com os meus pés no pouco espaço que sobra do quarto. "Porque em algumas fases da vida nada termina em lugar nenhum e tudo fica sem pé nem cabeça? Será que é natural não conseguir distinguir o que é humano, racional, limitado ou animal?"

Nesta fase, em especial, meus olhos ardem sem ver o óbvio como um ardido que não se sente ou inebria num contágio cego de uma visão vazia da vida aliada a uma puta crise de identidade.

Se ser feliz só é possível se for por inteiro, me sinto partido em pedaços separados pelos lados invisíveis da mente e do coração. Meu julgamento está neutro e meus passos estão tíbios. Vou tocando a vida de forma solitária e independente em meus pensamentos, sem saber se isso é bom ou ruim.

Se o futuro vier íntegro e bem preenchido, vou saber que este março de 2011 foi forte como o mais inodoro dos mundos, cheio de não-presságios de um turbilhão de coisas que terminam aqui, neste quarto vazio, enjoado da minha presença [mesmo quando durmo].

Se pudesse escolher um só motivo para viver no meio de tantos desertos monocromáticos, me apegaria ao fato de sentir que este e os outros meses iguais que virão não serão nada: apenas necessários.

11 de março de 2011

BIG EMPTY




Vivo naquela ânsia de viver há décadas atrás onde os sonhos eram mais iguais, as tardes eram mais comuns e as necessidades surgiam de problemas de verdade. Existiam bombas e guerras causadas por estratégias políticas, mas atualmente o clima de animosidade ainda ecoa nas praças pacíficas, nos limites de um sistema em crise que arrasta as pessoas rumo a fragmentação total e completa. Os gráficos se elevam mas não medem a queda dos valores humanos, das visões individuais menosprezadas numa multidão de zumbis que espalham o horror do nada.

Seremos lembrados pela geração do Facebook, do "curtir", dos mecanismos que mudam o comportamento das pessoas para pior sendo o que não são, perdendo o tempo que não tem e tirando o foco do que deve ser produzido. Indexação de conteúdo é bullshit. Você deve escolher o que quer ver, e quando quer ver. Toda semana aparece um gadgetzinho diferente para nos distrair. Essas empresas crescem porque é exatamente isso que sustenta o capitalismo: sempre são muito bem vindas essas idéias práticas cada vez mais elaboradas para nos tirar a atenção do que está realmente acontecendo e nossos questionamentos de quem realmente somos. No século passado, éramos super homens, auto suficientes, industriais, prósperos, poetas que traduziam um mundo inteiro dentro de si, ou até mesmo uma entidade sagrada. Hoje, somos um profile no Facebook.

Tudo isso mostra que as bases estão muito bem solidificadas, os acordos muito bem articulados e, se o mundo não explodiu até hoje, é porque não existem ondas mais fortes, nem lados mais favoráveis: o mundo virou um poço unilateral aristocrata, onde as confusões ideológicas ficam para os figurantes civis, que exercem bem o seu papel: ficam confusos, entristecem, desmotivam e se conformam como baratas depois de um spray inseticida. De todas as estrelas, enxergamos só as três marias. E achamos legal.

Há algumas décadas atrás, as discussões derivavam de duas grandes ondas idealistas. Hoje, as discussões são sobre cosméticos, redes sociais, estética, manifestos políticos feitos com um clique (sic), roupas, grifes, moda, preconceitos, discussões de velhos tabus gerando novos tabus mesquinhos, restaurantes, vegetarianismo, tatuagem, gatos, tecnologia de boutique (daquelas que você não pode ir numa reunião sem cutucar seu smartphone), marcas de cerveja, sobre quem é macho, bicha ou moderno, sobre Steve Jobs, Mark Zunckenberg, Larry Page... esses são os novos messias? Esses, que neste exato momento podem estar analisando a sua camisa, a barra da sua calça, o seu relógio, o seu penteado, a sua vida para tirar vantagem de suas informações e acumular poder para atender os próprios interesses. Sim, eles tem razão e uma boa vida. Nós não temos nada.

Depois da segunda guerra mundial, as populações da Ásia e Europa reconstruiram o mundo inteiro mal tendo o que comer, operando sob todas as condições adversas que se pode imaginar. As mulheres se prostituiam em troca de comida, os homens moravam precariamente e a desgraça unia as pessoas. Essa identidade coletiva construída com páginas de sangue, suor e lágrimas está sendo substituída por uma nova classe média nojenta, esnobe, fútil, procrastinadora e cíclica que reune amigos por ego e score nas redes sociais quando poderíamos fazê-lo para resolver os nossos novos problemas. A riquesa e o poder são uma merda quando usados de maneira puramente capitalista, e a cada década de maior expectativa de vida e recursos mais abundantes as pessoas baseiam suas vidas em problemas cada vez mais fúteis.

O mundo está cheio de problemas reais e essa passividade alienada talvez seja o pior deles.

Até quando contaremos vantagem no escuro? Até quando prestaremos atenção nas formas que desenham as trilhas, nos palmos que contamos na rua, nas fotos da viagem que ficaram para trás num compartimento inviolável e que mesmo assim queremos resgatar? As sombras do passado estão frias, mas evitam o superaquecimento das almas que despertam sob a luz dos arrependimentos oriundos dos erros que não foram educados para saber evitar.

O que é propósito? Qual o seu propósito? O que eles fazem de propósito? Tudo tem um propósito? É de propósito este ócio induzido e essa ignorância arraigada nas veias como um veneno paralisante indolor? Acho que a culpa não é toda nossa! Eles possuem equipamentos modernos, escutas digitais complexas e estão em todos os lugares. A vantagem é que você é hipoteticamente livre para tentar ser o que quiser, mas eles se certificarão de que a maioria não consiga. Vocês são propriedade deles e isso não é um erro: é uma vantagem. Eles já sabem o que você vai fazer mesmo que você ainda não tenha decidido.

Toda essa estrutura é uma miragem pontuda que perfura nossas verdades particulares dos jeitos mais vulgares. Chega de falsas lembranças e de tantos rodeios criptografados. Em contrapartida, estar no escuro é simples, cego, só, limpo e verdadeiro. Somos a geração daqueles que não são e não admitem. Somos a geração dos cegos que enxergam problemas onde não existem. Paz é buscar a verdade, e não dar vazão a vaidade.