12 de junho de 2012

É PAGO E SEMPRE SERÁ


"Essa obsessão de chegar...o terror de não vir a ser o que se pensa. Esse eterno pensar nas coisas eternas que não duram mais que um dia"

Essa semana saí do Facebook, a maior rede social do mundo. Provavelmente vou voltar, mas, por ora, cansei. E coloco aqui as minhas razões:

Autoimagem narcisista: a ferramenta nos leva a uma imagem deturpada de quem somos, nos leva a alimentar um pseudo ego que não existe. Quem vê nossos perfis, vistosos, é levado a pensar que somos "cool", pessoas de sucesso (donas um mundo particular que tem poder sobre os outros). No Facebook, nossas falhas se tornam ocultas, nossas fragilidades desaparecem. Como podemos corrigir nossos problemas se no perfil tudo é tão harmonioso? Nossas influências, opiniões e preferências parecem tão límpidas a ponto de esquecer quem somos de verdade. O mundo nos leva a ser permanentemente um ponto de tensão entre comprar ou não, fazer ou não, racionalizar ou sentir. Precisamos de mais um descompasso?

Comunicação frígida: ninguém tem 600 amigos de verdade. Ninguém conhece ninguém através de um chatzinho no canto inferior direito da tela. As pessoas são densas, tem um universo dentro de si que levam meses (ou até anos) para ser desbravado, mas preferimos julgá-las através de um conversinha aqui, outra acolá. Valorizamos demais pessoas que, na verdade, não tem tanto para oferecer quanto achamos que tem. Descartamos outras que eventualmente teria muito para oferecer por uma frase infeliz, uma opinião exposta num momento de fragilidade. Esquecemos a importância da voz, dos tons, da ênfase, das gesticulações, do timing, da espontaneidade... o homem é um ser social, e isso não deve terminar em palavras frias e monocromáticas. O conhecimento mútuo vai muito além disso e, acomodados em nossos computadores, estamos perdendo o melhor da festa em troca das expressões limitadas às quais nos acostumamos. E ainda: os conteúdos se perdem, caem num vácuo onde o que se disse na semana passada cai no esquecimento. Tenho preferência por grupos, comunidades e fóruns, onde as discussões são organizadas por tópicos e amadurecidas ao longo do tempo, do tipo "eu fiz e deu certo" ou "eu fiz desse jeito e também funcionou".

Privacidade decadente: o conceito não existe mais, mas porque nos expomos tanto? Parece ótimo, afinal, é a nossa sociabilidade transcendendo fios, satélites e redes, estendendo-se ao mundo inteiro. Não satisfeitos com as experiências em si, queremos evidenciar que aconteceu, que estávamos lá para mostrar aos netos. Talvez seja um processo natural, mas é realmente efetivo? Não é ego acima de tudo? De novo: as empresas estão de olho nisso, e toda essa exposição é um prato cheio para conhecer os consumidores e, principalmente, atrair novos. Exemplo: quando estamos interessados em alguém, tentamos nos familiarizar através de interesses e pontos em comum. Assim é com as empresas: ganham a simpatia, aplicam mecanismos para roubar a nossa atenção, repercurtem e nos levam ao consumo... Infelizmente, o bem comum ainda é engolido por instituições que operam segundo seus próprios interesses, mesmo na internet.

Publicidade invasiva: há muitas décadas as peças publicitárias para TV se tornaram algo indispensável para as emissoras. São elas quem financiam toda a brincadeira. Nossos programas favoritos são interrompidos por slogans e logotipos. Em filmes e novelas, vemos o personagem bebendo a cerveja tal ou usando aquele internet banking... A timeline do Facebook tornou-se uma derivação disto: a cada postagem de um amigo aparecem três posts de empresas querendo ocupar um pouquinho do nosso tempo. O que deveria ser um espaço livre para discussões tornou-se uma arena onde as marcas brigam por um "curtir", um clique, um lugarzinho no nosso top of mind, um download de aplicativo e umas horas perdidas em joguinhos. Quando a frontpage do Facebook diz "É gratuito e sempre será", penso que é justamente o contrário: é pago com o nosso tempo, nossos dados, nossos cliques, nossa história, um pouco de atraso intelectual ou um processo de emburrecimento que talvez nem percebamos.

Tecnicamente falando, não podemos esquecer que Facebook e Twitter não chegariam onde estão sem plataformas super rápidas e interfaces minimalistas cheias de usabilidade, mostrando que a tecnologia pode contribuir para o desenvolvimento das pessoas, fomentando discussões (muitas de cunho político, inclusive) e estimulando novas amizades. Tenho muitos amigos (de verdade) que conheci via internet. Acredito que a "next big thing" vai na direção da produtividade social (o que você realmente está fazendo?), das interfaces de superficie e da exploração de outros sentidos para tornar a interação entre homem e máquina mais próxima da vida física, mesmo à distância (hologramas, óculos 3D, teleconferências...).

E que venha o futuro, porque de passado o presente já está cheio.

4 de junho de 2012

SOU LIVRE (MAS NÃO SEI O QUE FAZER)


Nós passamos a vida inteira tentando ser livres de alguma maneira. Livres de juros, mensalidades, prestações, parcelas. Nos livramos de roupas velhas, cascas de banana e lâmpadas queimadas. Nos livramos de pessoas que já amamos. Nos livramos de nós mesmos: excrementos, suores, líquidos e secreções que dão lugar à novos alimentos (que geram um novo ciclo metabólico). Nos livramos do útero da mãe (primeiro passo para a liberdade umbilical). Enfim, queremos ser livres, né?

Não é incomum ver a associação de muitos serviços com a liberdade, em todos os segmentos: internet ilimitada, rodízios, open bar, aquele remédio para hemorróidas que faz as pessoas sentarem sem incômodo (livres), aqueles absorventes que deixam as meninas na praia sem constrangimento (livres), o horário flexível nas empresas, a computação em nuvem, os sites que comparam preços...tudo isso livra a cara (fato), mas transforma a liberdade em algo anarquista, uma motivação vital. Adquirir esses serviços é como um passaporte da alegria, uma pulseirinha vip, uns motivos a menos para se preocupar, a saída do purgatório, uma condicional das prisões cotidianas. "As suas privações de hoje garantirão a sua liberdade amanhã", ouvi um dia.

A liberdade não é algo absoluto. Podemos ser livres financeiramente, mas adeptos de uma religião que nos restringe (o que é bom em muitos casos) OU inventamos nossas próprias doutrinas MAS seja terrena ou celestial, ambas buscam a liberdade. Podemos ser empresários, fazer as coisas do nosso jeito, porém, nossa (enorme) responsabilidade pode limitar a qualidade das nossas decisões. Somos seres limitados e não gostamos disso. Quando conseguimos ser um pouquinho livres, ficamos meio perdidos (tipo aquele sonho de infância 'mãe, quero ser um piloto de avião' mas não sabemos pilotar, aquela menina linda que você sempre quis, mas fica inseguro ao lado dela). A liberdade virou algo sei lá o quê (mas todo mundo diz que é legal). Perdeu o significado. Não sabemos lidar com a liberdade, céus.

Da próxima vez que tomar cerveja, farei um brinde à liberdade. Tomo cerveja nas horas vagas, perco a lucidez... Será que liberdade e lucidez brigaram na infância? Quem é a ovelha negra da família? Lucidez é a menina direita, Liberdade é a que foge de casa? Essa gostosa, perseguida, impossível. Acho que é uma menina simples, que às vezes volta pra jantar. Quando tem festa, ela sempre aparece. No dia em que morrer, façam um brinde à liberdade: algo que passamos a vida procurando, mas ela, em forma de morte, é que irá nos encontrar.